quarta-feira, 16 de julho de 2008

Engenharia

Há algum tempo atrás um colega de turma nos passou o link de um artigo intitulado "Por que é que a gente é assim?" escrito pelo engenheiro, escritor e palestrante Ênio Padilha. O artigo faz uma análise do ensino de engenharia e o compara ao ensino de medicina, odontologia e direito.
O autor justifica o porquê das comparações, mas o que eu gostaria de comentar é apenas sobre o que ele diz sobre a engenharia (nos comentários sobre o artigo pessoas de outras áreas colocam pontos de vista interessantes sobre o que ele diz nas comparações).
Esse artigo traduz muito bem o sentimento que tive (e que certamente muitos outros têm) após ingressar no curso. Antes de chegar a engenharia, pelo menos na minha turma, todos eram excelentes alunos e nunca precisaram fazer muita "força" para passar nas matérias e progredir na escola.
Quando entramos na universidade, um dos maiores choques foi a disciplina de Cálculo 1. São conceitos completamente novos e parece haver um salto do que vimos no Ensino Médio para o que é visto na disciplina. Você está acostumado, a vida toda, a estudar relativamente pouco e tirar notas muito boas, eis que vêm as primeiras provas, você estuda muitas horas durante dias para uma única prova e o resultado é uma nota abaixo da média. Você estuda o dobro para a outra prova e melhora meio ponto, piora... É claro que isso depende do professor, depende da afinidade do aluno com a matéria, mas sempre há uma disciplina-problema, se não for Cálculo é Geometria Analítica, Física 1... Enfim, há uma.
Há professores muito bons, a maioria é o melhor ou um dos melhores em sua área, tecnicamente. Há professores excelentes (você sai da aula dizendo "esse cara é f*da"), mas há muitos sem a mínima didática, sem vocação para dar aula mas que o fazem para continuar pesquisando; outros que gostam de repetir que tudo é fácil, que na época dele isso caia no vestibular, que qualquer um consegue fazer aquilo, que faltou dedicação (é péssimo ouvir isso depois de virar noites uma semana inteira e receber uma nota baixa) enquanto a média da sala é baixíssima; outros que hajem como se dar aulas fosse um favor, ele olha com desprezo para aquela prova em que você deu o máximo de si; enfim, repetidas vezes nossa auto-estima é colocada para baixo e ouvimos que precisamos ser bons, passar em todas as matérias, procurar bolsas de iniciação científica ("se tiver um pau nem tente a Fapesp"...) mas há um ou dois alunos, pontos fora da curva, que conseguem manter o ritmo do Ensino Médio e passar em todas as matérias com facilidade.
Para ter contato com a "realidade" do mercado, ou algo mais palpável que dê um norte sobre como será sua vida no mercado, é preciso ser pró-ativo e buscar iniciativas como empresa júnior ou falar bastante com ex-alunos. Ou seja, além de toda a carga do curso você precisa buscar isso "por fora". A teoria é, quase sempre, totalmente dissociada da prática, você estuda um monte de coisas e fica pensando "isso não vai servir pra nada". É óbvio que para nada, nada mesmo, aquilo não irá servir. Se está lá é porque algum motivo tem, aquilo é importante mesmo que de maneira muito indireta ("ajuda a desenvolver raciocínio lógico", "é cultura geral", "se você precisar um dia, sabe onde procurar"). O problema é que, as vezes, algo que "ajuda a desenvolver o raciocínio lógico" é cobrado com considerável profundidade e pode atrapalhar muito o andamento de uma disciplina ou até do curso se a disciplina é pré-requisito para uma próxima, que é "pré" para outra e outra, formando uma "bola de neve".
Eu não sou a favor de "acochambrar" os cursos de engenharia, acredito apenas que a forma como as coisas são passadas poderia ser diferente para motivar mais os alunos. Hoje em dia um método chamado Problem Based Learning (PBL) está muito "na moda". Já há iniciativas de aplicação desse PBL em engenharia tentando "amarrar" as disciplinas através de problemas reais do mercado e mostrando como cada coisa se encaixa para resolver o problema. Acho isso ótimo. A postura de alguns professores também poderia ser diferente. Poderia-se dividir focos nos cursos para aqueles que querem seguir carreira acadêmica e aqueles que querem seguir para o mercado, inserindo até disciplinas que contribuam para um amadurecimento maior nesses focos (sobre como achar boas fontes ou como portar-se diante de um cliente, por exemplo); não dá para ensinar tudo na universidade, mas poderia-se pelo menos estimular esse aprendizado. Tem muita coisa bacana na universidade, há muitos acertos, mas também há problemas.
Ingressar no Ensino Superior é algo que requer maturidade. Muitas vezes o estudante muda de cidade, sai de casa pela primeira vez e logo vê-se obrigado a lidar com as responsabilidades do curso, afazeres domésticos, gerenciar seu dinheiro, um novo ambiente, novas pessoas, os apelos para festas, etc. É um processo muito interessante que eu acho que todos deveriam passar (não exatamente da mesma maneira), é uma lição de vida sem igual. Muitas vezes, no final de um semestre, você olha para trás e vê que as coisas tão complicadas do começo daquela disciplina agora parecem fáceis. Você cresce, mas aquela mensagem constante que o artigo cita: "Você não é tão bom quanto você pensava que fosse!" na maioria das vezes acaba sobrepondo-se e você se sente derrotado mesmo depois de ter feito até mais que podia (sacrificar seu sono, sua saúde, sua vida social não pode ser considerado algo "normal"). As coisas poderiam ser melhor planejadas para "encaixarem-se" e propiciar um crescimento contínuo e benéfico, produzindo profissionais conscientes, motivados, bons cidadãos e não apenas pessoas com grande aptidão técnica e nada mais.
Bom é isso que eu queria comentar. Como escrevi bastante, vou colocar dois vídeos do YouTube para descontrair um pouco.





Ele vai poder ter uma vida normal? NÃO. Muito boa!


Doce ilusão...


Gabriel Francisco Pistillo Fernandes
Engenharia de Computação 2007 - UFSCar

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